Este blog existe para mostrar às pessoas, especialmente aos estudantes que pensam em cursar jornalismo na universidade, os aspectos da profissão de jornalista que vão contra a ética e a ecologia profunda, e que não são percebidos por causa do ponto em que chegou a cultura humana, porque a sociedade espectadora, ouvinte e leitora alimenta-se desse teatro, desse circo.


quarta-feira, 28 de julho de 2010

A verdade

[Leia o título acima com a voz que o Cid Moreira faz para "Jabulani".]


Para normatizar a ética no Brasil, em 1987 foi aprovado o Código de Ética dos Jornalistas. No artigo sétimo estabelece que é dever fundamental do jornalista buscar a verdade dos fatos e que seu trabalho deve ser pautado na precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação. (Observatório da Imprensa)


O conceito de verdade e sua utilização no Jornalismo
Iluska Coutinho - Jornalista, doutora em Comunicação Social (Umesp) e mestre em Comunicação e Cultura (UnB). Professora da Faculdade de Comunicação, Departamento de Jornalismo, da Universidade Federal de Juiz de Fora


Em um primeiro momento podemos perceber que a promessa de relato fiel dos fatos, de reprodução perfeita da realidade objetiva nas notícias também está expressa na concepção que o conceito de verdade e sua utilização no Jornalismo os próprios jornalistas têm de seu ofício. É o que se pode depreender por exemplo na definição proposta por Alberto Dines em 'O papel do jornal', para quem os jornais são 'instrumento de acesso ao mundo para o cidadão' (DINES, 1976, p.35).

Conceituar é de certa forma denominar um dado objeto ou sujeito. Isto significa, em outras palavras, dar nomes a determinadas coisas. Outra observação importante é que a conceituação pressupõe e exige uma intencionalidade e a aplicação de um juízo de valor sobre o objeto em questão. Embora mocinhos e cowboys nas telas de cinema, nas trilhas sonoras difundidas por CDs ou disponíveis na rede mundial de computadores, reforcem em momentos dramáticos ou de clímax o vocábulo 'truth', é indispensável para a reflexão sobre a apropriação da verdade no jornalismo entender as origens dos discursos, as construções históricas que permitem no tempo presente a existência de enunciações que se apresentam como verdadeiras, tais como as matérias jornalísticas consumidas diariamente em todo o mundo. (...)

O conceito de verdade tem sido abordado e compreendido de diferentes formas por diversas escolas filosóficas e por diversos pensadores. A relação primordial que definiria um enunciado como verdadeiro é para alguns de adequação, para outros de correção e ainda para um terceiro grupo fundada em uma relação nominal; estariam assim fundados os tipos de verdade segundo Hanna Arendt (2000, p. 223). (...)

Para Heidegger, as verdades são respostas que o homem dá ao mundo. Vale ressaltar a utilização do termo no plural, quando o conceito de verdade perde o critério do absoluto e/ou do indivisível. Não haveria portanto uma verdade filosófica, mas várias verdades. Esse sentido mais pluralista também é defendido por Foucault, para quem o significado de verdade seria o de expressão de determinada época, cada qual com sua verdade e seu discurso. (...)

'O repórter é um curioso movido permanentemente pelo desejo de saber o que acontece e de entender porque aconteceu. Se não for assim está na profissão errada. E não basta querer saber: é preciso saber tudo, e ter a obstinação de saber certo' (GARCIA, 1992, p.11), segundo define, com certa pretensão e vaidade, o Manual de Redação de O Globo. As notícias publicadas nos jornais são produzidas, ou ao menos deveriam ser, por este superprofissional do saber.

A própria noção de notícia nos oferece pistas relevante para o estudo do valor Verdade no jornalismo. A notícia é comumente definida 'o relato, não o fato' (LUSTOSA, 1996, O conceito de verdade e sua utilização no Jornalismo, p.17). Assim poderíamos partir do princípio que o conteúdo oferecido pelo jornal em suas páginas não seria a 'verdade absoluta', em um paralelo com o conceito filosófico, mas a expressão da verdade, um relato verdadeiro de uma situação delimitada. Uma vez que como produto as matérias jornalísticas se referem a fatos isolados, muitas vezes descontextualizados, segundo críticas frequentes, elas se afastariam da verdade filosófica, que não aceita visões atômicas. Em direção contrária do conceito discutido anteriormente, as pautas jornalísticas delimitam e recortam a realidade a ser enunciada. Para além dos problemas decorrentes do 'fracionamento' do mundo nas páginas de jornal, há ainda a questão da interpretação. Afinal, como nos lembra Hilton Japiassu, 'os fatos não falam' (JAPIASSU, 1994, p.09). Assim, o que vemos impresso nos jornais não é a voz dos fatos, mas de pessoas que participaram deles ou ainda que foram espectadoras dos acontecimentos, também uma categoria carregada de julgamentos e intencionalidades. (...)

O argumento mais utilizado pelos editores de jornal, alguns autodenominados como pragmáticos, é o de que a 'verdade' seria uma abstração, o que os levaria a relatar objetivamente a realidade. Japiassu porém questiona: 'Caso existam informações bjetivas, quem controlará a objetividade dessas informações?' (JAPIASSU, 1994, p.11). As informações 'neutras e objetivas' estariam segundo ele sujeitas ao poder de decisão que as arbitraria. Desta forma não haveria informações e conhecimentos isentos de uma intencionalidade. (...)

Apesar da impossibilidade de um relato imparcial, os jornais são apresentados e recebidos por significativa parcela de seu público como um instrumento de descrição da realidade, o que oferece status de verdadeiro a seu conteúdo impresso. (...)

Como proposta de se constituir em expressão da verdade, o Jornalismo tenta apagar as marcas do enunciador, de sua produção, numa estratégia que traria legitimidade e credibilidade ao discurso jornalístico. Assim, ele é apresentado aos leitores como o relato de uma verdade pragmática e factual, possível de comprovação. (...)

Há ainda um aspecto que se refere à internalização do personagem de 'contador da verdade' que, em alguns casos desviantes, resulta em uma arrogância imodesta de repórteres.


Sobre verdade e mentira
Nietzsche

(...) é fixado aquilo que (...) deve ser “verdade”, isto é, é descoberta uma designação uniformemente válida e obrigatória das coisas, e a legislação da linguagem dá também as primeiras leis da verdade: pois surge aqui pela primeira vez o contraste entre verdade e mentira. O mentiroso usa as designações válidas, as palavras, para fazer aparecer o não-efetivo como efetivo. (...) É a linguagem a expressão adequada de todas as realidades?

Somente por esquecimento pode o homem alguma vez chegar a supor que possui uma “verdade” no grau acima designado. (...) O que é uma palavra? A figuração de um estímulo nervoso em sons. Mas concluir do estímulo nervoso uma causa fora de nós já é resultado de uma aplicação falsa e ilegítima do princípio da razão. (...) Um estímulo nervoso, primeiramente transposto em uma imagem! Primeira metáfora. A imagem, por sua vez, modelada em um som! Segunda metáfora. (...) não é logicamente que ocorre a gênese da linguagem, e o material inteiro (no qual e com o qual mais tarde o homem da verdade, o pesquisador, o filósofo, trabalha e constrói) provém, se não de Cucolândia das Nuvens, em todo caso não da essência das coisas.

(...) Todo conceito nasce por igualação do não-igual. (...) A desconsideração do individual e efetivo nos dá o conceito, assim como também nos dá a forma, enquanto que a natureza não conhece formas nem conceitos, portanto também não conhece espécies, mas somente um X, para nós inacessível e indefinível. (...)

O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível (...).

Continuamos ainda sem saber de onde provém o impulso à verdade: pois até agora só ouvimos falar da obrigação que a sociedade, para existir, estabelece: de dizer a verdade, isto é, de usar as metáforas usuais, (...) da obrigação de mentir segundo uma convenção sólida, mentir em rebanho, em um estilo obrigatório para todos. Ora, o homem esquece sem dúvida que é assim que se passa com ele: mente, pois, da maneira designada, inconscientemente e segundo hábitos seculares – e justamente por essa inconsciência, justamente por esse esquecimento, chega ao sentimento de verdade.

(...) Coloca agora o seu agir como ser “racional” sob a regência das abstrações; não suporta mais ser arrastado pelas impressões súbitas, pelas intuições, universaliza antes todas essas impressões em conceitos mais descoloridos, mais frios, para atrelar a eles o carro de seu viver e agir. Tudo o que destaca o homem do animal depende dessa aptidão de liquefazer a metáfora intuitiva em um esquema, portanto de dissolver uma imagem em um conceito. (...) a ilusão de um estímulo nervoso em imagens, se não é a mãe, é pelo menos a avó de todo e qualquer conceito.

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